ALPHARRABIO 30 ANOS – FESTA ADIADA
No dia 21 de fevereiro de 1992, era inaugurada a Alpharrabio Livraria Espaço-Cultura, em Santo André, SP. Muito mais que uma livraria de livros raros e usados, nascia com uma proposta cultural e iniciava uma intensa atividade, continuamente voltada ao fomento e difusão do livro, da literatura e da arte e da cultura em geral, prestando relevantes serviços à comunidade.
Desde sempre, uma alternativa ao lazer não massificado que a consolidaria como um verdadeiro centro cultural, proposta já cunhada no convite para a festa memorável de inauguração.
Desde 1993, a chancela Alpharrabio Edições foi cravada em cerca de 200 obras de autores, prioritariamente, residentes no ABC, região metropolitana de São Paulo.
Nestas três décadas de atividades ininterruptas, tornou-se um polo irradiador, fomentador e divulgador da cultura regional, mas que também dialoga com a cultural nacional e internacional, trazendo escritores e artistas da Capital e de outros estados, algumas vezes do exterior, para proferirem palestras, lançamentos de livros nas já tradicionais conversas de livraria. Músicos, atores, artistas visuais, cineastas e detentores de outras expressões artísticas também já passaram com sua arte pela casa da Rua Eduardo Monteiro, 151.
Em 2002, ano em que comemorou 10 anos, inaugurou um site próprio (www.alpharrabio.com.br) onde está registrada sua história e nesse mesmo ano, após alguns meses de reformas e ampliações, reabre suas portas e oferece ao público instalações ampliadas, uma sala de múltiplo uso para realização de atividades artísticas, oferecendo ainda mais conforto a seus frequentadores.
Em 2004, é publicado o livro Alpharrabio 12 anos: uma história em curso (Dalila e Luzia Maninha). São 344 páginas que registram mais de 500 atividades culturais realizadas em suas instalações nos seus primeiros 12 anos. Nele, também são transcritas muitas dessas palestras e debates. Um livro indispensável no auxílio ao mapeamento e compreensão da história cultural da região do ABC na última década do Século XX, início do XXI. Do índice onomástico, constam mais de 500 nomes que contribuíram com essa história, participando diretamente dessas atividades. Temos material para um segundo volume, ainda mais alentado, registrando as atividades dos últimos 18 anos.
Até de 21 de fevereiro de 2020, essa data sempre foi marcada com muita festa e, sobretudo, com celebrações de camaradagem entre aqueles que fizeram desse espaço a “sua casa”, o “seu lugar”, um lugar de pertencimento e de afetos compartilhados através da arte e do simples convívio. Nesse dia, em pleno sábado de Carnaval, quase uma centena de convidados encheram a casa a comemorar os seus 28 anos. Logo depois, em conformidade com as normas sanitárias, fechávamos as portas, mas a “alma” do lugar, seguiu de forma virtual, mantendo possibilidades mínimas de convívio e trocas , durante estes últimos dois anos de pandemia, sustos, lutos e tristezas.
Em 21 de fevereiro de 2021, marcando os 29 anos, pela primeira vez, sem festa, um criativo cartaz (by Tarso de Melo e Luzia Maninha) ocupou a entrada da livraria, com o lindo verso de Paulinho da Viola: “velho marinheiro / durante o nevoeiro / leve o barco / devagar”. Foi o que fizemos.
Chegamos aos 30 Anos e, pela segunda vez, não haverá festa, ao menos no dia de hoje. Será apenas um adiamento.
Aproveito o ensejo para declarar publicamente e com convicção que, sem o trabalho, a dedicação, o esforço e o entusiasmo de Luzia Maninha, não teríamos chegado até aqui. Ela não me deixa fraquejar, empurra-me e vai na frente.
Alpharrabio é um projeto de vida(s) que sozinha não teria condições de tocar. Além da família, muito mais gente aderiu, desde o início e o caminho foi sendo construído ao andar. Andamos e construímos uma história que hoje é estudada pela UFABC – Universidade Federal do ABC que, inclusive, ano passado, reconheceu a Alpharrabio como uma instituição “de excelência”.
Assim, teimosamente, seguimos. Luzia Maninha e Eliane, batem o ponto, fisicamente, de segunda a sexta, às 13h e, aos sábados das 10 às 13h, recebem, com cautela e vagar, aqueles que por lá aparecem.
Enquanto isso, mais velha (20 anos em 2), muito mais cansada e com poucas ilusões, fico aqui no meu bunker, a tentar redescobrir formas de sobrevivência num mundo que parece não ser mais o meu. Num Brasil que normatizou o ódio, a violência e a ignorância, diária e oficialmente incitados por um insano, destituído de qualquer competência cognitiva ou empatia humana. Um tresloucado agarrado ao poder e à ignorância que jogou o país num abismo do qual será difícil sair.
Voltemos ao Alpha, ao nosso Alpha. Bem Hajam! Todas e todos que nos acompanharam nesta trajetória e que fizeram com que o Alpharrabio não mais me pertença, transformando-se num bem público, sem que por lei o seja.
DTV, madrugada de 21.02.2022